Litígios de direito da família envolvendo a UE
Recentemente, fomos chamados a intervir num processo de assistência por um progenitor residente na Polónia. O filho do nosso cliente estava a viver num centro de acolhimento de confiança na Irlanda do Norte. A mãe pretendia que o processo fosse transferido para o seu país de origem, a Polónia.
do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho (Bruxelas II-A) ou, em alternativa, nos termos dos artigos 8.º e 9.º da Convenção de Haia de 1996 sobre a Proteção das Crianças. A questão jurídica surgiu devido ao Brexit e em circunstâncias em que o processo em curso teve início antes da data de saída, mas o pedido de transferência deveria ser apresentado após a data de saída.
Bruxelas IIa (Regulamento CE n.º 2201/2003) deixa de ser aplicável na Irlanda do Norte após 31 de dezembro de 2020, na sequência da saída do Reino Unido da UE nos termos do "Acordo de Retirada" (Retirada do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica) e a Convenção da Haia de 1996 sobre a Proteção das Crianças passa a ser aplicável.
O artigo 50.º, n.º 3, do Tratado da União Europeia especifica que os Tratados (incluindo os protocolos e anexos) deixam de ser aplicáveis ao Reino Unido a partir da data de entrada em vigor do "Ato do Acordo de Saída" (Ato da União Europeia (Acordo de Saída) de 2020). Em termos de direito interno e como direito da UE retido, Bruxelas IIa foi revogada pelos Regulamentos de 2019 relativos à jurisdição e às decisões judiciais (família) (alteração, etc.) (saída da UE) e, tal como acima referido, deixará de ser aplicável na Irlanda do Norte após 31 de dezembro de 2020.
A partir de 1 de janeiro de 2021, a Convenção da Haia de 1996 sobre a Proteção das Crianças será aplicável nos casos em que surjam questões de competência para apreciar processos transfronteiriços de direito privado.
O AII de Bruxelas é aplicável?
Nos termos do n.º 1 do artigo 67.º do Acordo de Saída, no que respeita aos processos instaurados antes do termo do período de transição, as regras da UE em matéria de competência internacional continuam a ser aplicáveis no Reino Unido e nos Estados-Membros em situações que envolvam o Reino Unido.
O artigo 67.º, n.º 1, do Acordo de Saída especifica que as regras de competência da UE também se aplicam a "processos ou acções conexos com esses processos judiciais", mesmo que esses processos ou acções conexos sejam instaurados após o termo do período de transição.
A situação não é clara nos casos em que um processo foi instaurado antes da data de saída, mas o pedido de transferência é instaurado após a data de saída, podendo ser necessário clarificar esta questão.
Artigo 15º do AII de Bruxelas:
ARTIGO 15
Transferência para um tribunal mais bem colocado para apreciar o caso
A título excecional, os tribunais de um Estado-Membro competentes quanto ao mérito podem, se considerarem que um tribunal de outro Estado-Membro, com o qual a criança tenha uma ligação particular, está mais bem colocado para conhecer do processo ou de uma parte específica do mesmo, e se tal for do interesse superior da criança:
(a) Suspender a instância ou a parte do processo em questão e convidar as partes a apresentarem um pedido ao tribunal desse outro Estado-Membro, nos termos do n.º 4; ou
(b) Solicitar a um tribunal de outro Estado-Membro que se declare competente, nos termos do n.º 5.
2. É aplicável o disposto no n.º 1:
(a) a pedido de uma parte; ou
(b) Por iniciativa própria do tribunal; ou
(c) A pedido de um tribunal de outro Estado-Membro com o qual a criança tenha uma ligação especial, nos termos do n.º 3.
A transferência efectuada por iniciativa do tribunal ou a pedido de um tribunal de outro Estado-Membro deve ser aceite por pelo menos uma das partes.
3. Considera-se que a criança tem uma ligação especial a um Estado-Membro, tal como referido no n.º 1, se esse Estado-Membro:
(a) Passou a ser a residência habitual da criança após a instauração do processo no tribunal referido no n.º 1; ou
(b) é a antiga residência habitual da criança; ou
(c) É o local da nacionalidade da criança; ou
(d) For a residência habitual de um titular da responsabilidade parental; ou
(e) É o local onde se encontram os bens da criança e o processo diz respeito a medidas de proteção da criança relacionadas com a administração, conservação ou alienação desses bens.
4. O tribunal do Estado-Membro competente para conhecer do mérito deve fixar um prazo para instaurar um processo nos tribunais desse outro Estado-Membro, nos termos do n.º 1.
Se a ação não tiver sido instaurada até essa data, o tribunal em que a ação foi instaurada continua a ser competente nos termos dos artigos 8º a 14º.
1. Os tribunais desse outro Estado-Membro podem, se, devido às circunstâncias específicas do caso, tal for do interesse superior da criança, aceitar a competência no prazo de seis semanas a contar da data em que a ação foi instaurada, nos termos das alíneas a) ou b) do n.º 1. Neste caso, o tribunal em que a ação foi instaurada em primeiro lugar declina a sua competência. Caso contrário, o tribunal em que a ação foi instaurada em primeiro lugar continua a exercer a sua competência nos termos dos artigos 8º a 14º.
2. Os tribunais cooperarão para efeitos do presente artigo, quer diretamente, quer através das autoridades centrais designadas nos termos do artigo 53º.
Artigos 8º e 9º da Convenção de Haia de 1996 - disposições paralelas ao artigo 15º:
Convenção de 19 de outubro de 1996 relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de poder paternal e de medidas de proteção de menores
Artigo 8
(1) A título excecional, a autoridade de um Estado Contratante competente nos termos dos artigos 5° ou 6°, se considerar que a autoridade de outro Estado Contratante está mais bem colocada no caso concreto para avaliar o interesse superior da criança, pode
- solicitar a essa outra autoridade, diretamente ou com a assistência da autoridade central do seu Estado, que assuma a competência para tomar as medidas de proteção que considere necessárias, ou
- suspender a apreciação do caso e convidar as partes a apresentarem esse pedido à autoridade desse outro Estado.
(2) Os Estados Contratantes cujas autoridades podem ser contactadas nos termos do número anterior são
a) um Estado de que o filho é nacional,
b) um Estado em que se encontram bens do filho,
c) um Estado a cujas autoridades tenha sido apresentado um pedido de divórcio ou de separação dos pais do filho, ou de anulação do seu casamento,
d) um Estado com o qual o filho tenha uma ligação substancial.
(3) As autoridades em causa podem proceder a uma troca de pontos de vista.
(4) A autoridade requerida nos termos do nº 1 pode assumir a competência, em vez da autoridade competente nos termos dos artigos 5º ou 6º, se considerar que tal é do interesse superior da criança.
Artigo 9
(1) Se as autoridades de um Estado Contratante a que se refere o n.º 2 do artigo 8.º considerarem que estão mais bem colocadas, no caso concreto, para avaliar o interesse superior da criança, podem
- solicitar à autoridade competente do Estado Contratante da residência habitual da criança, diretamente ou com a assistência da autoridade central desse Estado, que a autorize a exercer a sua competência para tomar as medidas de proteção que considere necessárias, ou
- convidar as partes a apresentar um pedido deste tipo à autoridade do Estado Contratante da residência habitual da criança.
(2) As autoridades em causa podem proceder a uma troca de pontos de vista.
(3) A autoridade que apresenta o pedido só pode exercer a competência em vez da autoridade do Estado Contratante da residência habitual da criança se esta última autoridade tiver aceite o pedido.
Conclusão:
O artigo 67.º do Acordo de Saída é a disposição jurídica operativa que deve ser utilizada para chegar a uma conclusão sobre esta questão. Se a situação jurídica não for clara, o tribunal nacional tem o direito de solicitar uma decisão prejudicial ao TJCE ao abrigo do artigo 267.
Não obstante o que precede, o requerente tem uma base jurídica, em qualquer dos casos, para apresentar um pedido de transferência de um processo familiar para outra jurisdição. Em muitos aspectos, as disposições dos artigos 8º e 9º da Convenção de Haia de 1996 correspondem, de qualquer modo, às disposições do AII de Bruxelas.