TKF contra o Ministério da Justiça
Estive presente no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) com Ronan Lavery QC, Malachy McGowan BL e Enda McGarrity (Trainee Solicitor, PA Duffy & Co) em 14 de outubro de 2020 no processo TKF v The Department of Justice, Northern Ireland. O processo decorreu como uma audiência totalmente contestada e as alegações foram feitas por nós em nome da TKF, representantes do Departamento de Justiça da Irlanda do Norte, representantes da Comissão Europeia e representantes do Estado da Polónia.
O processo foi registado no TJCE na sequência de um pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of Appeal da Irlanda do Norte. O pedido de decisão prejudicial diz respeito à cooperação judiciária em matéria civil, ao reconhecimento e à execução de decisões e à cooperação entre os Estados-Membros em matéria de obrigações alimentares nos termos do Regulamento (CE) n.º 4/2009 e, em especial, ao âmbito temporal do artigo 75.º e à possibilidade de registar e executar as decisões proferidas antes da adesão do Estado (neste caso, a Polónia) de origem à União Europeia. O coletivo era composto por 6 juízes de vários Estados-Membros da UE e pelo advogado-geral.
O contexto factual do processo, tal como consta do acórdão, é o seguinte: KF e AKF, ambos de nacionalidade polaca, casaram na Polónia em 1991. Tiveram dois filhos. Em 1 de abril de 1999, um tribunal polaco proferiu uma decisão em matéria de alimentos a favor de AKF contra TKF. Entre dezembro de 2002 e fevereiro de 2003, foram intentadas outras acções de alimentos nos tribunais polacos. Estes últimos processos deram origem ao que o órgão jurisdicional de reenvio qualificou de "decisões actualizadas em matéria de alimentos", datadas de 14 de fevereiro de 2003, sendo estas decisões "variações das decisões iniciais proferidas em 1 de abril de 1999" pelo mesmo tribunal. TKF e AKF divorciaram-se em 2004. Dois anos mais tarde, em agosto de 2006, TKF veio para a Irlanda do Norte, onde reside desde então.
Por decisões de 24 de outubro de 2013 e de 15 de agosto de 2014 ("decisões de registo"), um funcionário do Magistrates' Court for the Petty Sessions District of Belfast and Newtownabbey (Reino Unido) registou e declarou executórias as duas decisões em matéria de obrigações alimentares proferidas pelo tribunal polaco, com data de 14 de fevereiro de 2003. As decisões de registo foram tomadas em conformidade com o artigo 75.º do Regulamento n.º 4/2009. Declaram igualmente que as decisões assim registadas têm força executória para efeitos da secção 2 do capítulo IV do mesmo regulamento.
A TKF impugnou as decisões de registo no High Court of Justice da Irlanda do Norte, Queen's Bench Division (Reino Unido), alegando que, uma vez que a Polónia não era um Estado-Membro quando as decisões do tribunal polaco em questão foram proferidas, a secção 2 do capítulo 4 do Regulamento n.o 4/2009 não era aplicável. Alegou também que os artigos 23.o e 26.o não se aplicavam às decisões do tribunal polaco e que, de qualquer modo, estas decisões não respeitavam o artigo 24.o do Regulamento n.o 4/2009, uma vez que não havia provas de que a TKF tivesse conhecimento, estivesse presente ou fosse representada nos processos em questão.
Contudo, a sua ação foi julgada improcedente pela High Court of Justice da Irlanda do Norte, Queen's Bench Division, com o fundamento de que o Regulamento n.° 4/2009 não contém qualquer disposição que restrinja o seu âmbito de aplicação temporal às decisões judiciais em matéria de alimentos proferidas na Polónia apenas após a data de adesão da Polónia à UE. Além disso, se o artigo 75.º, n.º 2, do Regulamento n.º 4/2009 não era aplicável, uma vez que a Polónia é um Estado parte no Protocolo de Haia, o Capítulo VII do Regulamento n.º 4/2009 era aplicável, por força do artigo 75.º, n.º 3, ao caso em apreço. Por conseguinte, a High Court of Justice da Irlanda do Norte, Queen's Bench Division, considerou que as decisões do tribunal polaco tinham sido corretamente registadas e executadas ao abrigo desse capítulo. A TFK recorreu então desta decisão para o Court of Appeal da Irlanda do Norte (a seguir "órgão jurisdicional de reenvio").
Assim, a questão submetida ao órgão jurisdicional de reenvio dizia respeito à aplicação temporal adequada do Regulamento n.° 4/2009 para efeitos de registo e de declaração de decisões executórias em matéria de obrigações alimentares, bem como à aplicabilidade do artigo 75.°, n.° 2, às decisões proferidas nos Estados partes no Protocolo de Haia. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à aplicabilidade do Regulamento n.° 4/2009 às decisões em matéria de obrigações alimentares proferidas na Polónia antes da sua adesão à UE e quanto à competência do Magistrates' Court for Petty Sessions District of Belfast and Newtownabbey para registar as decisões em causa ao abrigo de qualquer parte do artigo 75.
A posição sobre várias questões jurídicas não era clara para a Court of Appeal e o TJUE foi essencialmente solicitado a confirmar a posição jurídica sobre quais as circunstâncias (se é que existem) em que uma decisão em matéria de alimentos proferida por um tribunal nacional antes da adesão desse país à União Europeia tem direito ao reconhecimento ao abrigo das disposições do Regulamento (CE) n.º 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares? [Esta era essencialmente a questão suscitada pelo seguinte pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of Appeal da Irlanda do Norte (Reino Unido).
O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto o reconhecimento e a execução no Reino Unido de decisões em matéria de obrigações alimentares proferidas na Polónia antes da sua adesão à União Europeia em 1 de maio de 2004 e antes da data de aplicação, ou seja, 18 de junho de 2011, do Regulamento n.° 4/2009.
O advogado-geral, Gerard Hogan, da Irlanda, apresentou as suas conclusões ao Tribunal de Justiça em 12 de novembro de 2020. As conclusões do advogado-geral foram favoráveis à TKF e adotaram o argumento apresentado pela nossa equipa em seu nome. O advogado-geral concluiu afirmando que "proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões colocadas pela Court of Appeal da Irlanda do Norte (Reino Unido) da seguinte forma:
1. A derrogação à aplicação no tempo do Regulamento (CE) n.º 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares, prevista no artigo 75.º, n.º 2, do Regulamento n.º 4/2009, deve ser interpretada no sentido de que apenas se aplica às decisões proferidas por um tribunal de Estados que já eram membros da UE no momento em que essas decisões foram proferidas.
2. Não é possível obter, com base no artigo 75.º do Regulamento n.º 4/2009 ou em qualquer outra disposição desse regulamento, o reconhecimento e a execução de uma decisão proferida por um tribunal de um Estado antes da sua adesão à União, em conformidade com as regras estabelecidas no Regulamento n.º 4/2009.
O advogado-geral declarou ainda que "é lamentável que o presente pedido de decisão prejudicial possa muito bem ser o último processo da Irlanda do Norte que este Tribunal de Justiça tem a oportunidade de tratar diretamente".
As conclusões do advogado-geral são transmitidas ao tribunal pleno. O processo será agora apresentado ao tribunal pleno e será proferido um acórdão completo sobre as questões jurídicas submetidas. O acórdão do TJUE será então transmitido à Court of Appeal da Irlanda do Norte e será proferido um acórdão final sobre o processo. Aguardamos com expetativa uma data para ambas as questões e esperamos estar em condições de fornecer mais informações actualizadas sobre o processo, que estabelecerá um precedente sobre a matéria em todos os Estados-Membros da UE.